domingo, 30 de junho de 2013

O PÁSSARO SEM ASAS


Desde tempos remotos, nos primórdios da humanidade, quando seres humanos nômades saíam em busca de terras onde pudessem se estabelecer por um tempo propício, até a atualidade, onde os ditos sedentários ocupam lugares e defendem seu espaço, o homem busca sua independência, o direito de escolher: a liberdade. Ser independente para escolher onde morar, com quem casar, o que comer, em quem votar, o quê estudar, a forma de se expressar, como se vestir, por onde andar, dão-nos uma ideia vaga da noção de liberdade. Para Cecília Meireles[1] o conceito de liberdade vem a ser tão abstrato quanto a ideia que cada ser humano individualmente tem dela. Para a autora “Livre é o estado daquele que tem liberdade. Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”.
O que tem me incomodado em relação a esta temática vem a ser um questionamento que permeia meus pensamentos e confundem a ideia que eu tinha em relação a mesma. Se, segundo Cecília Meireles liberdade é um sonho alimentado pela humanidade, e o sonho – isto em minhas palavras – é algo que após conquistado deixa de ser almejado, a humanidade portanto, tem estado atada por grilhões invisíveis, os quais as impedem de experimentarem a saciedade. Neste prisma, a liberdade em sua totalidade talvez ainda não tenha sido alcançada por nenhum mortal. Quem sabe, superficialmente.
No documentário “Ilha das Flores”, produzido por Jorge Furtado em 1989 a dura realidade experienciada por algumas pessoas residentes naquele local traz a tona o questionamento supracitado e remete-nos à angústia que a falta de respostas às nossas indagações provoca em nosso consciente e subconsciente. Os moradores daquele lugar abandonado, esquecido, não eram escravos de ninguém, não tinham senhor, não realizavam trabalhos forçados e exerciam o direito de ir e vir que a constituição nacional nos outorga, mas, foram privados do direito de escolher viver dignamente, e a única escolha que a situação permitia-lhes fazer era selecionar, para sua subsistência, os alimentos rechaçados pelos cuidadores dos porcos que eram criados naquela região.  Em face desta realidade, pergunto-me: onde está a carta de alforria daqueles seres livres, daqueles cidadãos a quem a constituição brasileira autoriza que tenham o direito de ir e vir, o direito de ter liberdade? Quem revogou a Lei Áurea daqueles seres humanos a quem a vida escravizou com um sonho inatingível pelas instancias do momento? Quem cortou suas as asas?
Este cenário faz-me lembrar da situação educacional de meu país, querida “pátria amada, idolatrada”, Brasil. José Carlos Libâneo[2] em seu artigo “O essencial da didática e o trabalho de professor – em busca de novos caminhos”  denuncia, em um dos tópicos, a intenção dos grupos que detêm o poder na sociedade, tanto político como econômico, de manter a grande massa alienada com o propósito de subjuga-la à submissão aceitando naturalmente as desigualdades impostas pelo atual sistema econômico. Este quadro no qual está inserido o sistema de ensino no país, principalmente o sistema público, leva-nos a desacreditar mais uma vez na possibilidade de se fazer viável os direitos do cidadão brasileiro à liberdade. Esta prática que retém de nossas crianças, de nossos jovens, a liberdade de escolher saber, conhecer, ser um cidadão consciente e crítico, ser participante da sociedade, tolhe a independência que a sensação de ser livre promove. Reter o conhecimento do povo é escraviza-lo silenciosamente, é entregar-lhes a rechaça que o sistema econômico e político lhes disponibiliza. Discrimina-se tanto a privatização de bens públicos, mas, em contraponto, privam o povo do saber, privatizam o conhecimento, faz-lhe apto apenas à algumas classes prioritárias. Oh que grande crime! Roubar a liberdade do povo. Crime inafiançável: cortar as asas de um pássaro que sonha voar.
Acredito piamente que a educação tem o poder de mudar drasticamente uma nação, elevando-a a um patamar que consequentemente trará qualidade de vida para toda a população. Munir os nossos jovens de conhecimento é construir o futuro com bases sólidas, é assinar a carta de alforria de nossos compatriotas que ocuparão nosso lugar no Brasil de amanhã. Mas, infelizmente, a situação é crítica no tocante à educação no país, um intricado de questões impede o desenvolvimento do ensino público tais como: a má qualidade na infraestrutura das escolas, o salário baixo dos professores, a corrupção no país que consome a maior parte das verbas que deveriam ser destinadas à educação, etc.
Liberdade, em minha modesta avaliação, é poder ir além de nossos limites sem que alguém interrompa nossa caminhada, nem nos impeça de alçar voo. Liberdade é ser independente e ter independência. Pois, há grande diferença entre ser e ter, apenas ser não serve, nós temos o direito também de ter. De que me adiantaria ser livre e não poder exercer minha liberdade? Porém, é exatamente neste contexto que os habitantes da Ilha das flores estão inseridos, e é exatamente neste contexto social que nossas crianças e jovens estão inseridos: são livres, mas não têm liberdade. Falta-lhes educação de qualidade, que lhes aguce o senso crítico, que lhes tornem aptos a opinar, a participar ativamente da sociedade, transformando-a. Mas, onde estão as asas de nossos pássaros? É assim que concebo o “ser livre, mas não ter liberdade”, pássaros sem asas. Liberdade sem independência.
Algo curioso chamou minha atenção, e com este pensamento concluo minha retórica: O nome de nosso país originou-se do nome genérico que se atribui a várias espécies de árvores do gênero Caesalpinia[3] presentes na região da Mata Atlântica brasileira, o Pau-brasil. Sabe-se que o lugar preferido das aves para construir seu ninho e aninhar seus filhotes é o topo de uma árvore. Faço, com estes exemplos, uma analogia onde, esta grande árvore, Brasil,  vem a ser o lugar preferido de tantas aves aninhadas em seus galhos, sobrevivendo de seus ramos, firmadas em seu tronco. Mas, que tristeza é ver que estas aves, pelo menos a maioria delas, têm as suas asas atrofiadas, e outras tantas, simplesmente não as têm. Os urubus sobrevoam esta grande árvore no intuito de manter as pobres avezinhas subjugadas à servidão, com o seguinte discurso: “avezinhas, vocês são livres”, mas o eco desta falácia estonteia nossos ouvidos: “Avezinhas, vocês não tem liberdade”. A senhora educação então surge e brada: “Eu posso dar-lhes autonomia. Eu posso assinar sua carta de alforria”. Oxalá alguém dê ouvidos ao grito que foi dado há quase 200 anos atrás e que ecoa país adentro pela voz desta bondosa senhora: Independência ou morte!










[1] Trecho de poesia extraída da obra de Cecília Meireles: Romanceiro da Inconfidência. Extraído da “OBRA POÉTICA” De Cecília Meireles, PUBLICADA, em volume único, pela Editora Nova Aguilar S/A, no Rio de Janeiro, em 1977.
[2] Libâneo (2001, p. 2)