Desde tempos remotos, nos primórdios da
humanidade, quando seres humanos nômades saíam em busca de terras onde pudessem
se estabelecer por um tempo propício, até a atualidade, onde os ditos
sedentários ocupam lugares e defendem seu espaço, o homem busca sua
independência, o direito de escolher: a liberdade. Ser independente para
escolher onde morar, com quem casar, o que comer, em quem votar, o quê estudar,
a forma de se expressar, como se vestir, por onde andar, dão-nos uma ideia vaga
da noção de liberdade. Para Cecília Meireles[1] o conceito
de liberdade vem a ser tão abstrato quanto a ideia que cada ser humano
individualmente tem dela. Para a autora “Livre é o estado daquele que tem
liberdade. Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, que não há
ninguém que explique e ninguém que não entenda”.
O que tem me incomodado em relação a
esta temática vem a ser um questionamento que permeia meus pensamentos e
confundem a ideia que eu tinha em relação a mesma. Se, segundo Cecília Meireles
liberdade é um sonho alimentado pela humanidade, e o sonho – isto em minhas
palavras – é algo que após conquistado deixa de ser almejado, a humanidade
portanto, tem estado atada por grilhões invisíveis, os quais as impedem de
experimentarem a saciedade. Neste prisma, a liberdade em sua totalidade talvez
ainda não tenha sido alcançada por nenhum mortal. Quem sabe, superficialmente.
No documentário “Ilha das Flores”,
produzido por Jorge Furtado em 1989 a dura realidade experienciada por algumas
pessoas residentes naquele local traz a tona o questionamento supracitado e
remete-nos à angústia que a falta de respostas às nossas indagações provoca em
nosso consciente e subconsciente. Os moradores daquele lugar abandonado,
esquecido, não eram escravos de ninguém, não tinham senhor, não realizavam
trabalhos forçados e exerciam o direito de ir e vir que a constituição nacional
nos outorga, mas, foram privados do direito de escolher viver dignamente, e a
única escolha que a situação permitia-lhes fazer era selecionar, para sua
subsistência, os alimentos rechaçados pelos cuidadores dos porcos que eram
criados naquela região. Em face desta
realidade, pergunto-me: onde está a carta de alforria daqueles seres livres,
daqueles cidadãos a quem a constituição brasileira autoriza que tenham o
direito de ir e vir, o direito de ter liberdade? Quem revogou a Lei Áurea
daqueles seres humanos a quem a vida escravizou com um sonho inatingível pelas
instancias do momento? Quem cortou suas as asas?
Este cenário faz-me lembrar da situação
educacional de meu país, querida “pátria amada, idolatrada”, Brasil. José
Carlos Libâneo[2] em seu artigo “O essencial
da didática e o trabalho de professor – em busca de novos caminhos” denuncia, em um dos tópicos, a intenção dos
grupos que detêm o poder na sociedade, tanto político como econômico, de manter
a grande massa alienada com o propósito de subjuga-la à submissão aceitando
naturalmente as desigualdades impostas pelo atual sistema econômico. Este
quadro no qual está inserido o sistema de ensino no país, principalmente o
sistema público, leva-nos a desacreditar mais uma vez na possibilidade de se
fazer viável os direitos do cidadão brasileiro à liberdade. Esta prática que
retém de nossas crianças, de nossos jovens, a liberdade de escolher saber,
conhecer, ser um cidadão consciente e crítico, ser participante da sociedade,
tolhe a independência que a sensação de ser livre promove. Reter o conhecimento
do povo é escraviza-lo silenciosamente, é entregar-lhes a rechaça que o sistema
econômico e político lhes disponibiliza. Discrimina-se tanto a privatização de
bens públicos, mas, em contraponto, privam o povo do saber, privatizam o conhecimento,
faz-lhe apto apenas à algumas classes prioritárias. Oh que grande crime! Roubar
a liberdade do povo. Crime inafiançável: cortar as asas de um pássaro que sonha
voar.
Acredito piamente que a educação tem o
poder de mudar drasticamente uma nação, elevando-a a um patamar que
consequentemente trará qualidade de vida para toda a população. Munir os nossos
jovens de conhecimento é construir o futuro com bases sólidas, é assinar a
carta de alforria de nossos compatriotas que ocuparão nosso lugar no Brasil de
amanhã. Mas, infelizmente, a situação é crítica no tocante à educação no país,
um intricado de questões impede o desenvolvimento do ensino público tais como:
a má qualidade na infraestrutura das escolas, o salário baixo dos professores,
a corrupção no país que consome a maior parte das verbas que deveriam ser
destinadas à educação, etc.
Liberdade, em minha modesta avaliação, é
poder ir além de nossos limites sem que alguém interrompa nossa caminhada, nem
nos impeça de alçar voo. Liberdade é ser independente e ter independência.
Pois, há grande diferença entre ser e ter, apenas ser não serve, nós temos o
direito também de ter. De que me adiantaria ser livre e não poder exercer minha
liberdade? Porém, é exatamente neste contexto que os habitantes da Ilha das
flores estão inseridos, e é exatamente neste contexto social que nossas
crianças e jovens estão inseridos: são livres, mas não têm liberdade.
Falta-lhes educação de qualidade, que lhes aguce o senso crítico, que lhes
tornem aptos a opinar, a participar ativamente da sociedade, transformando-a.
Mas, onde estão as asas de nossos pássaros? É assim que concebo o “ser livre,
mas não ter liberdade”, pássaros sem asas. Liberdade sem independência.
Algo curioso chamou minha atenção, e com
este pensamento concluo minha retórica: O nome de nosso país originou-se do
nome genérico que se atribui a várias espécies de árvores do gênero Caesalpinia[3] presentes na
região da Mata Atlântica brasileira, o Pau-brasil. Sabe-se que o lugar
preferido das aves para construir seu ninho e aninhar seus filhotes é o topo de
uma árvore. Faço, com estes exemplos, uma analogia onde, esta grande árvore,
Brasil, vem a ser o lugar preferido de
tantas aves aninhadas em seus galhos, sobrevivendo de seus ramos, firmadas em
seu tronco. Mas, que tristeza é ver que estas aves, pelo menos a maioria delas,
têm as suas asas atrofiadas, e outras tantas, simplesmente não as têm. Os
urubus sobrevoam esta grande árvore no intuito de manter as pobres avezinhas
subjugadas à servidão, com o seguinte discurso: “avezinhas, vocês são livres”,
mas o eco desta falácia estonteia nossos ouvidos: “Avezinhas, vocês não tem
liberdade”. A senhora educação então surge e brada: “Eu posso dar-lhes autonomia.
Eu posso assinar sua carta de alforria”. Oxalá alguém dê ouvidos ao grito que
foi dado há quase 200 anos atrás e que ecoa país adentro pela voz desta bondosa
senhora: Independência ou morte!